Por: Diana Oliveira – Bacharelanda em Filosofia
O Projeto Semente do Samba é um evento semanal que acontece no Bar do Carlinhos, situado na rua Silva Barros, 226, Vila Fiori, em Sorocaba-SP. Desde sua criação em 2007, o projeto reúne músicos e compositores com o objetivo de preservar e celebrar o samba, especialmente o samba raiz.
O Projeto Semente do Samba tem um impacto significativo na comunidade de Sorocaba, promovendo a cultura e a arte como ferramentas de transformação social. Além de proporcionar lazer e entretenimento, o projeto contribui para a formação de novos talentos e para a construção de uma sociedade mais inclusiva e consciente de suas raízes culturais.
No mesmo endereço e no mesmo canto do bar, músicos se reúnem semanalmente há 17 anos com o mesmo propósito: não deixar o samba morrer. Desde que começaram, em 2007, e de maneira bem informal e despretensiosa, é o samba que tem vez nas vozes que entoam um repertório que apresenta clássicos do samba raiz, mas também abre espaço para composições dos próprios músicos e de outros interessados que comparecem, religiosamente, às segundas-feiras, no Bar do Carlinhos, na Vila Fiori.
O projeto começou de maneira informal e despretensiosa com músicos que já tocavam na noite e sentiram a necessidade de continuar fazendo música após um período de pausa. A ideia do projeto surgiu com o objetivo de criar um espaço onde a comunidade pudesse se reunir, aprender e celebrar o samba, contribuindo para a inclusão social e o resgate das tradições culturais. Os encontros ocorrem em um ambiente típico de bar de bairro, com mesas de plástico vermelho, uma mesa de bilhar e troféus de futebol amador. O bar, pertencente a Carlos Roberto de Carvalho, o Carlinhos, é um ponto de encontro onde as atividades de bilhar são suspensas nas segundas-feiras para dar lugar ao samba. O projeto se destaca por ser um “retiro cultural”, permitindo que compositores apresentem suas obras autorais, além dos clássicos do samba.
Com um público que varia de 100 a 300 pessoas, o projeto atraiu não apenas moradores locais, mas também fãs de samba de outras regiões. A popularidade do evento cresceu sem necessidade de propaganda formal, tornando-se uma característica cultural local. A iniciativa também tem fomentado a criação de novas músicas, somando cerca de 80 composições.
Além da música, o projeto arrecada alimentos e doa cesta básica para a comunidade mais carente. O Bar do Carlinhos, por meio de seu proprietário, apoia outras atividades sociais, como projetos de dança e futebol para crianças e jovens, financiados sem verba pública. Carlinhos é uma figura central para o sucesso do Projeto Semente do Samba e outras iniciativas comunitárias, oferecendo lanches e suporte para os participantes.
Ao longo dos anos, o projeto ganhou reconhecimento por seu impacto positivo e sua contribuição para a cultura local. Tem previstas parcerias com outras organizações culturais e entidades governamentais para ampliar seu alcance e recursos. Essas parcerias têm sido fundamentais para a manutenção e expansão das atividades oferecidas pelo projeto.
O Samba como Expressão Cultural e Resistência
O samba, como descrito nos textos, surgiu na África e foi trazido ao Brasil pelos escravizados, onde se adaptou e se misturou com outros ritmos regionais, ganhando diferentes denominações e formas. Esta evolução do samba é um testemunho da resistência cultural e da capacidade de adaptação dos povos africanos e seus descendentes diante das condições adversárias impostas pela escravidão e pelo colonialismo.
Autores como Frantz Fanon, Paulo Freire e Aníbal Quijano discutem como a colonização impôs um sistema de dominação que não apenas explorava economicamente os colonizados, mas também buscava erradicar suas culturas e importava um sentimento de inferioridade. O samba, nesse contexto, representa uma forma de resistência cultural e preservação da identidade afro-brasileira, desafiando a desumanização imposta pelo colonialismo.
Fanon, em suas obras, aborda a psicologia da colonização e os efeitos devastadores sobre a identidade dos colonizados. Ele argumenta que a descolonização não é apenas uma questão política, mas também uma luta para recuperar a dignidade e a identidade cultural dos povos oprimidos. O samba, como manifestação cultural originada nas comunidades negras, é um exemplo dessa resistência cultural e busca por identidade.
Paulo Freire, em “Pedagogia do Oprimido”, destaca a importância da educação como um meio de conscientização e liberação dos oprimidos. O projeto Semente do Samba, que busca educar e incluir socialmente através da música, pode ser visto como uma aplicação prática das ideias de Freire, promovendo a conscientização e a valorização da cultura afro-brasileira.
Quijano modernizou o conceito de “colonialidade do poder”, que descreve como os padrões de dominação instaurados durante a colonização continuam a influenciar as estruturas sociais, econômicas e culturais da América Latina. O samba, ao resistir e se afirmar como uma expressão cultural brasileira, desafia essa colonialidade e reafirma a presença e a importância da cultura afrodescendente na construção da identidade nacional.
O neoliberalismo, com suas políticas de austeridade e privatizações, agravou as desigualdades sociais e econômicas na América Latina, incluindo o Brasil. A cultura, muitas vezes, sofre cortes de financiamento e apoio, colocando em risco iniciativas como o Projeto Semente do Samba. Este projeto, que promove a inclusão social e cultural através da música, é um contraponto às políticas neoliberais, demonstrando a importância do investimento em cultura e educação como formas de resistência e construção de uma sociedade mais justa e igualitária e busca por identidade.
Considerações finais:
De acordo com Olga Simson, no livro “Cupinzeiro: O samba paulista e suas histórias”, o ritmo do samba tem suas raízes na África. Nas línguas umbundu e banta, o termo significa “estar animado, estar excitado” e “pular e saltar com alegria”, respectivamente.
Ao chegar ao Brasil junto com os escravizados, o samba se misturou com novos ritmos e recebeu diferentes denominações conforme a região do país. No Nordeste, é conhecido como coco. Em Pernambuco, é chamado de samba de matuto. Na Bahia, sob a influência das religiões afro-brasileiras, é chamada de samba de roda.
Por volta de meados do século XIX, o samba chegou ao Rio de Janeiro, trazido pelos baianos, e passou a ser conhecido como samba de partido alto. No mesmo estado, no início da década de 1930, surgiu o samba de breque, caracterizado por uma parada súbita que o cantor faz para encaixar uma frase durante a execução da música.
Durante os anos de 1940, no período da Ditadura do Estado Novo de Getúlio Vargas, surgiram os sambas-enredo, criados para acompanhar os desfiles e que deveriam abordar temas históricos e patrióticos. No Rio Grande do Sul, o samba é conhecido como batuque.
Em São Paulo, o samba recebeu diversos nomes, como samba de bumbo, samba de lenço e samba rural. O ritmo se fortaleceu com a chegada dos negros às fazendas paulistas de cana e café. Eles confeccionavam bumbos com troncos de árvores, que acompanhavam danças religiosas, como o jongo.
O samba e iniciativas como o Projeto Semente do Samba exemplificam a resistência cultural e a luta contra as condições de domínio e subserviência impostas pelo colonialismo e perpetuadas pelo neoliberalismo. Eles representam a continuidade da luta pelo reconhecimento e valorização da identidade cultural afro-brasileira, desafiando as estruturas de poder que ainda hoje marginalizam essas expressões culturais.
Integrando a análise dos aspectos históricos e culturais do samba com as teorias críticas de Fanon, Freire e Quijano, podemos entender como a música se torna um espaço de resistência e de luta por dignidade, identidade e justiça social na América Latina.
Referências:
https://www.jornalcruzeiro.com.br/cultura/samba-autoral-resiste-em-sorocaba
https://www2.jornalcruzeiro.com.br/materia/574805/um-reduto-do-samba-na-vila-fiori
https://www.liberidigital.com.br/leitor/livro?isbn=9788559728347
https://www.liberidigital.com.br/leitor/livro?isbn=9788544302767
file:///C:/Users/diana/Downloads/cdarevista,+edited+ATL_FRANTZ+FANON_148-163%20(1).pdf
Por: Por Diana Oliveira – Bacharelanda em Filosofia